Estava sentado no banco do colégio, em posse de um livro
como de costume, nem percebeu enquanto eu me aproximava. A noite tomava conta
do ambiente e a lua o iluminava como um holofote cuidadosamente posicionado em
um palco para o artista principal brilhar. E esse era exatamente seu papel, o
protagonista na peça de teatro chamada “Minha Vida”.
Quando ele finalmente notou a minha presença quase caiu
do banco – Estava mais uma vez mergulhado nas histórias de algum autor
conhecido (ou não) – Ao me ver abriu um sorriso que me contagiou por inteiro,
cada vez que ele fazia isso os problemas pareciam desaparecer da existência. Assim
como todo o resto. Cada vez que o encontrava era como se o mundo ao meu redor
não existisse e isso não fizesse a menor diferença.
Sentei ao seu lado, ele mais uma vez pediu um minuto,
para que pudesse terminar o capítulo que estava na metade. Fiquei observando
ele ler, imaginando aquela imagem em uma tela, de preferência em um tamanho bem
grande e pendurada no meu quarto, assim que ele termina me olha, tira os óculos
e diz que podemos ir. Respondo que não vamos a lugar nenhum, o colégio estava
vazio, todos os outros meninos estavam na casa dos pais, afinal as férias já
haviam começado.
Éramos apenas nós dois, em toda a escola, ficamos ali
abraçado por alguns momentos, depois de retirar os óculos, seus olhos
azuis-esverdeados tomaram minha alma, seus cabelos tão negros quanto a noite
pareciam dar o contraste perfeito com o olhos, e a barba por fazer me fascinava
de um jeito... Ele largou o livro no banco. Pronto, agora ele era todo meu, sem
nenhum tipo de restrição.
Subimos para o dormitório, poderíamos finalmente ter um
momento a sós, absolutamente a sós, mas ao chegar no corredor do meu quarto,
vemos um dos veteranos da escola saindo, na mesma hora todas as minhas
esperanças de ter a noite perfeita foram por água abaixo, mas ele teve a melhor
reação que eu poderia esperar:
- Olá, vou ficar na escola
como monitor durante as férias, vocês devem ser os meninos que preferiram não
ir pra casa. Não é mesmo?
- Não tenho muito o que
fazer em casa, e não sei se gostaria de ficar quase três meses sem ver ele.
Respondi enquanto o abraçava e ele ajeitava o óculos no rosto de forma
envergonhada e engraçada.
O monitor dá um sorriso
muito simpático e devolve – Espero que tenham ótimas férias, não se preocupem
não vou controlar horários nem nada do tipo, afinal, mesmo estando na escola
são férias não é mesmo?
Tirando os óculos mais uma
vez ele responde – Exatamente, são férias, por que não passa um tempo conosco?
Posso preparar um chá para nós.
Ao
ouvir aquilo fiquei sem reação, como ele estava chamando mais uma pessoa pra
primeira vez que tínhamos a oportunidade de ficar a sós, o monitor agradeceu
pelo convite, mas recusou (alegou que tinha alguns relatórios para fazer, ele
trabalhava na biblioteca do colégio). Nos despedimos e seguimos para o meu
quarto.
A porta mal fechou e eu o questionei por que ele havia
convidado a única pessoa que estava nos atrapalhando no colégio, ele riu, disse
que meu rosto era lindo até mesmo com a expressão de indignado, disse que meus
cabelos pareciam estar passando de loiros para vermelho de indignação. Ele se
aproximou, acariciou meu rosto dizendo que estava na cara que ele não
aceitaria, ele estava com uma pilha de papeis nos braços “ele é monitor, a
última coisa que ele vai querer é deixar trabalho acumular.”
Já passado o ocorrido, ele realmente fez o chá, um ótimo
chá na verdade, era doce, saboroso, e com um leve toque de pimenta que o
deixava ainda melhor, terminamos o chá, liguei a TV, nela estava passando um
filme que ambos já haviam assistido, algumas vezes. No início até prestamos
atenção, comentávamos de qual seria a próxima cena e riamos quando um dos dois
errava bruscamente no que iria acontecer na continuidade do filme.
O filme estava na metade quando peguei no sono, não tinha
como me segurar, deitei em seu peito e ele começou a acariciar meus cabelos de
uma maneira que eu desejei que aquele momento durasse para todo o sempre,
acordei no meio da madrugada e ele não estava na cama, meio confuso pelo sono
tentei acha-lo, não foi difícil, ele estava sentado ao lado da janela, só com
uma camiseta branca, com uma estampa qualquer, lendo, o mesmo livro do início
da noite, porém agora ele o estava terminando, notei que estava na última página,
então deixei que terminasse, e para minha surpresa ele havia notado que eu
estava acordado e a última página leu em voz alta:
“Esta
é para mim, a mais bela e mais triste paisagem do mundo inteiro, É a mesma
paisagem da página anterior, que desenhei de novo para mostra-la melhor. Foi aqui
que o pequeno príncipe apareceu na Terra, e foi também nesse lugar que
desapareceu.
Olhem
atentamente esta paisagem para que estejam certos de reconhece-la no deserto,
caso viagem algum dia para a África. Se passarem por esse lugar, não tenham
pressa, esperem um pouco bem debaixo da estrela! Se um menino vier em sua
direção, sorrindo com os cabelos dourados, sem responder as perguntas que vocês
fizerem, saberão quem ele é. Nesse caso, peço por gentileza: não me deixem tão
triste, escrevam-me rapidamente, dizendo que ele voltou...”
Ele fechou o livro me olhou com uma ternura infinita e
disse:
- Parece que eu preciso
escrever, por que o pequeno príncipe está diante dos meus olhos.
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