Estava difícil decidir o que
exatamente me incomodava naquele momento, o fato de ver ela chegando na
faculdade, o fato de estar de mãos dadas com outro, ou o fato de toda essa cena
mexer comigo de uma maneira a qual eu fiquei sem reação, estagnado. Queria
sumir, ficar invisível, para me livrar a situação constrangedora que essa cena
seria, mas não foi necessário. Os dois passaram por mim como quem passa por uma
corrente de vento, sem nenhuma reação. Fiquei ali ainda enraizado por mais
alguns minutos até que consegui voltar a realidade e junto com a volta da
realidade veio um sentimento que estava a um tempo sem sentir: Tristeza.
Após me recuperar, fisicamente
falando, segui para a sala como de costume, segui direto para a última fila da
sala, também no último lugar da fila, ali coloquei meus fones e passei a aula
observando o movimento pela janela, dentre as músicas que tocavam algumas eram
como tiros na alma, lembrei-me remotamente de uma vez em que fiz uma seleção de
músicas que me lembravam pessoas e aquela lembrança me deu uma vontade
momentânea de tomar chá. O movimento foi ficando cada vez menor e quando me dei
conta estava passando um carro volta e meia, foi quando resolvi ver o que se
passava na sala de aula e me deparei com todos levantando para sair. Samara
chegou ao meu lado e com o sorriso descontraído de sempre disse: - Hey! Está na hora de ir, volta pra terra
você é pisciano não aquariano. Deu uma risada descontraída e saiu da sala.
Fiz o mesmo, peguei minha mochila a qual nem havia mexido durante a aula e
segui rumo a porta, quando estava prestes a sair o professor me chama. Logo
penso no sermão que viria por não prestar atenção em uma única palavra do que
ele falou a noite toda, vou até sua mesa e antes mesmo de eu chegar até ela,
ele começou:
- Eu sei que a minha aula não é a mais
emocionante e nem a sua preferida do curso, mas você poderia pelo menos fingir
que está interessado como nos outros dias, não acha? Hoje você não se deu nem
ao trabalho de assinar a lista de presença, está acontecendo algo Roberto? Algo
que queira conversar? Não precisa ser necessariamente comigo é claro, mas acho
que guardar as coisas só pra você não te faz bem, você não é uma pessoa pra
guardar sentimentos e sim demonstra-los, sejam eles quais forem. E falo isso
como psicólogo, mas principalmente como seu professor e amigo. Pode ir Roberto
tenha uma boa noite. Não se preocupe, não ganhará falta, mas recomendo que vá
atrás do conteúdo.
Dei um ‘tchau’ desinteressado para
ele e sai da sala. Samara (como eu já imaginava) estava me esperando fora da
sala, mais para saber como eu estava, mas disse que era para saber o que o
professor queria, desconversei sobre e pedi se ela queria carona, ela recusou
falou que veio de moto, me despedi mais desanimado do que quando cheguei e fui
para o carro. Entrei, fechei a porta, liguei o som e desabei, comecei a chorar
fiquei ali por uns 15 minutos no mínimo, sem nenhuma reação aparente, apenas as
lagrimas escorrendo pelo meu rosto e a chuva escorrendo pelo vidro do carro,
pareciam em perfeita harmonia, o clima frio, triste melancólico e eu no carro
na mesma situação: frio, triste e melancólico. Quando um carro veio no sentido
contrário com a luz alta ligada quase me cegando, voltei para a realidade que
me cercava e finalmente segui para o rumo de casa.
Não bastasse todo o ocorrido, ao
chegar em casa noto que estou sem o controle do portão, desço na chuva e o
tempo de abrir o portão é o suficiente pra me deixar ensopado, volto para o
carro agora além de triste estou com raiva, o frio nunca me agradou mas hoje
ele foi a cereja no bolo, a gota d’agua para acabar com minha noite. Entrei em
casa segui direto pro banho, só me faltava queimar o chuveiro para completar a
desgraça diária, mas dessa fui poupado. Durante o banho pensei no que havia
acontecido naquela noite. A pessoa com quem passei tanto tempo, a pessoa pra
qual eu disse de boca cheia “eu te amo” passou por mim ignorando completamente
minha existência, não conseguia entender como alguém que dizia gostar tanto de
mim conseguia me tratar com tanta indiferença, como se nada tivesse acontecido,
como se nunca tivesse me conhecido, como se eu fosse apenas mais uma pessoa
aleatória na cidade que não tem nenhuma importância pra ela.
Naquela noite como já era de se
esperar, não consegui dormir, fiquei lendo durante toda a madrugada, li no
mínimo umas 3 vezes cada parágrafo por que na metade do mesmo já não estava
mais focado na leitura, mas sim no ocorrido. Precisava conversar com alguém,
era próximo das três da madrugada, sexta-feira e pra minha alegria (se é que
ela existia naquele momento) havia saído o pagamento. Estava decidido. Tomei
outro banho, me arrumei e sai. Rodei a cidade por um tempo e achei um barzinho
ainda aberto, quando entrei consegui ver a expressão do barman querendo a minha
morte por aparecer uma horas dessas, eles provavelmente estavam prestes a
fechar, sentei junto a bancada do bar mesmo e pedi uma dose de whisky. Ele me
serviu e quando me entregou ainda disse – Espero
que seja a primeira e a última, não vou aguentar ninguém bêbado a essas horas.
Não liguei muito pro que ele disse, não estava afim de discutir, na verdade não
estava afim de nada, nem de viver. Afinal o que eu achava ter superado havia
voltado a minha vida, pior voltado para a mesma faculdade, o que me obrigaria a
vê-la todos os dias. Tomei mais algumas doses e sai do bar antes que me
expulsassem.
Meio embriagado deixei o carro e sai
andando pela chuva, para onde? Naquele momento eu não tinha nenhum destino em
mente, mas quando me deparei estava na frente da faculdade, talvez aquela
maldita noite estivesse em meu inconsciente e me levou até lá. O acesso ao
pátio do campus é aberto, então subi as escadas e sentei no banco mais próximo.
A chuva continuava, mas eu não me importava, naquele momento não me impostava
com mais nada, comecei a pensar em como uma simples “ignorada” havia me afetado
tanto, olha a que ponto eu tinha chegado, ficar bêbado, sair na chuva sem
destino, por que uma pessoa pertencente ao meu passado seguiu sua vida. Talvez
esse fosse o problema, naquele exato momento ela deveria estar feliz seguindo
sua vida normalmente e eu estava preso ao passado, como se no dia em que ela
foi embora tivesse levado todo o meu futuro e ali eu fiquei, estagnado, sozinho
e sem perspectivas do que faria. Com o tempo retomei minha rotina, tentei ter
outros relacionamentos, mas se passaram de uma noite era uma semana, no máximo
duas. Não estava procurando por alguém, estava procurando por ela em outros
alguéns. Levantei agora com um pouco de dor de cabeça e segui para casa, entrei
e fui direto dormir, com a roupa toda molhada mesmo, naquele momento não faria
diferença alguma.
Passava das duas horas da tarde
quando acordei, não entendia direito onde estava, levei alguns minutos para
entender que se tratava da minha cama, minha roupa ainda estava úmida e eu com
muito frio –o que já era de se esperar-. Levantei e fui pro banho, agora
acordado e lembrando do que havia feito na noite passada, sai do banho preparei
uma xícara de café, a qual tomei quase toda em um gole e sem açúcar, o que me
fez realmente acordar, e mais uma vez lembrar da noite passada, em específico
da aula de ontem, mas foi passageiro, não deixei esse pensamento tomar conta da
minha mente mais uma vez. O fim de semana passou rápido, não deixei tal lembrança
tomar conta da minha mente, passei os dias escrevendo, lendo desenhando (em
meio a tudo isso fui buscar o carro na frente do barzinho). Foi até produtivo e
quando me dei conta já era segunda novamente.
A segunda passou se arrastando até
que chegou a hora de ir pra faculdade, naquela hora não consegui evitar,
durante todo o caminho fui pensando na possibilidade de vê-la de novo, e se ela
teria a mesma reação (ou falta de reação) e se eu ficaria da mesma forma.
Estacionei, peguei a mochila e segui rumo ao meu bloco da faculdade e pro meu
azar logo na escadaria inicial lá estava ela descendo, mas desta vez sozinha,
ela parecia apressada e entendi o motivo ao me virar para terminar de ver sua
passagem, ela atravessou a rua e foi ao encontro dele, do rapaz que passara com
ela na outra noite. Desta vez dei menos importância, talvez tivesse superado,
ou pelo menos me conformado, quando me viro pra continuar subindo dou de cara
com uma moça que estava mexendo no celular, por muito pouco o celular da garota
não encontrou o chão, consegui salva-lo a custo de um arranhão nas costas da
mão que tiveram atrito com a escada de concreto. Entreguei o celular para ela enquanto meus olhos ficaram ao mesmo nível dos dela, seus olhos eram lindos,
castanhos mas de alguma forma também verdes, e os óculos com armação quadrada a
deixava ainda mais linda, toda essa percepção durou apenas alguns segundos, mas
na minha cabeça pareciam horas. Voltei a realidade e notei que ela estava
esperando eu soltar o celular, arrumei os meus óculos que quase caíram com o
‘encontrão’ que dei na moça:
- Me desculpe eu estava distraído, você se
machucou?
- Não me machuquei não, mas por muito
pouco você não ficou me devendo um celular novo, você devia cuidar por onde
anda garoto.
Verdade eu realmente deveria fazer
isso, quando ela falou do celular foi como se ativasse em minha mente o fato de
que eu havia me machucado, não que grande coisa, mas de qualquer forma era um
machucado. Virei a mão e uma pequena quantidade de sangue estava escorrendo do
corte também pequeno. Quando a moça viu aquilo ficou com uma expressão
assustada:
-Nossa você se machucou, está tudo bem? Vamos
pra enfermaria, você tem que limpar isso, pode infeccionar.
- Não precisa, foi um arranhão de leve,
bobagem. Dei uma risada sem graça enquanto arrumava mais uma vez o
óculos.
- Não é bobagem, um corte é um corte, seja ele
qual for tema chance de infecionar, venha eu te levo.
Sem
nem me dar chance de responder ela saiu na minha frente, e eu a segui, pois ela
realmente parecia preocupada. Enquanto seguíamos para a enfermagem ela me
contou que estava cursando medicina e que aquilo poderia parecer só um corte
bobo, mas ela não poderia deixar de ajudar, fazia parte da natureza dela.
Naquele momento comecei a observa-la, ela era muito bonita devia admitir,
cabelos negros com as pontas beirando a cintura. Não tinha um corpo
extremamente magro, mas também não era extremamente encorpada. Ela tinha a
mesma mania que eu, não demorei muito a perceber, ela arrumava os óculos
compulsivamente várias vezes, mesmo sabendo que o mesmo estava perfeitamente
encaixado no rosto. Chegamos a enfermagem, o enfermeiro limpou o “ferimento”
como ele chamou quando entrei lá, e fez um curativo. Quando saímos de lá olhei
a hora, já havia se passado vinte minutos do início da aula. Ela me pediu
desculpa se havia sido grossa em um primeiro momento e que não era a intenção
dela, disse que precisava ir que estava muito atrasada e que seu professor de
anatomia não era o mais bem humorado dos professores, enquanto ela estava
saindo quase que num tom de grito pedi que esperasse:
- Espera! depois de todo esse acidente eu nem
seis eu nome...
- Amélia, meu nome é Amélia... E eu
estou atrasada, a gente se vê. Ela disse e saiu quase
correndo para sua sala.
Quando cheguei na minha sala o
professos de maquetes estava no meio de uma explicação, não dei muita bola e
entrei na sala. Mas parece que ele deu bola, parou a explicação e olhou pra
mim, o que fez com que todo o resto da turma segue o olhar dele:
-O senhor está um pouco atrasado Roberto.
- Desculpa professor eu tive um
“acidente” na chegada. Dei ênfase irônica no acidente mostrando
a mão com o curativo para ele.
- Tudo bem vá se sentar, e pegue o boa sorte
para desenvolver sua maquete com o que sobrou da explicação. Ele se virou para turma num geral, tirando o
foco de mim e prosseguiu?
- Então turma continuando, isso é tudo. Podem
começar...
Parecia
que ele havia terminado a explicação assim só pra me prejudicar. Mas nada disso
me interessou, fui sentar com a Samara e contei todo o ocorrido pra ela depois
de terminar a narrativa comecei a lamentar:
- Ela passou mais uma vez direto por mim, e
foi ao encontro dele, daquele “outro”
- Roberto pare com isso, ela ficou três
anos fora, você nem falava mais nela, ela seguiu a vida dela, você tem que
fazer o mesmo. Me conte mais sobre a moça da medicina, ela é legal? Bonita?
Quantos anos que ela tem?
- Não sei, pare com o interrogatório,
tudo que eu sei é que o nome dela é Amélia, ela tem aula de anatomia na
segunda, é da natureza dela ajudar os feridos, ela tem o mesmo TOC que eu em
arrumar os óculos e tem um olhar incrível. Mas ela não é a Laura...
- Roberto, olhe ao seu redor rapaz, a
Laura seguiu a vida dela e a vida está te apresentando Amélia, aproveite a
Amélia que ela te oferece e esqueça a Laura que ela fez o favor de tirar da sua
vida.
Pensei um pouco no assunto, quem sabe aquele fosse o início de uma nova história,
afinal era da natureza dela ajudar os feridos e eu estava ferido, minha mão,
meu coração, meus sentimentos, todos feridos. Restava saber até que ponto a
natureza dela estaria disposta a me ajudar com minhas feridas.