Mais
um ano na faculdade se iniciava. O terceiro, sendo mais exato. Nunca estive tão
certo do curso que escolhi, arquitetura realmente era o que eu queria para
minha vida. E, com o início do ano letivo vinha a parte divertida, saber quem
eram os calouros do curso. Nossa turma passou as férias inteiras organizando a
festa dos calouros. Quando saiu a lista dos aprovados, stalkeamos cada um
deles, e enquanto olhava alguns perfis dos quais eu consegui encontrar no
facebook, um deles me chamou a atenção: o calouro mais bonito de toda a lista
até onde eu havia analisado, e um dos mais inteligentes também, pois passou em
terceiro lugar pelo vestibular. Usualmente são os calouros que mandam convite
para os veteranos, mas com esse eu me adiantei, o quanto antes soubesse mais
sobre esse garoto melhor. Mandei o convite, não demorou muito para que ele me
aceitasse, mas não puxei assunto, tinha muito para acontecer ainda.
Alguns
dias se passaram e chegou o dia em que a reitoria solicitava que 5 alunos
fizessem uma apresentação do curso para os calouros; eu, como já era orientador
em algumas matérias, e os professores vivam me empurrando pra essas coisas, fui
um dos convidados, mas não achei ruim, afinal ia conhecer de perto todos os
coleguinhas novos, incluindo o novato que me chamara a atenção. Chegou então o
momento, os 4 alunos escolhidos além de mim foram na minha frente enquanto eu
preparava o que ia falar. Quando chego no auditório da faculdade estão todos os
alunos já sentados e lá estava ele, na primeira fileira de cadeiras, era mais lindo
pessoalmente do que pelas fotos. Os cabelos perfeitamente arrumado (devia ter
passado no mínimo meia hora na frente do espelho), estava com uma calça jeans
escura e uma camiseta preta com uma estampa a qual não consegui identificar de
onde estava – graças ao astigmatismo. Quando ele me viu entrando parou de
conversar com seus amigos na mesma hora, mexeu no cabelo e ficou com o olhar
vidrado em mim. Mesmo que eu não demonstrasse, eu percebi. Feita apresentação do
curso, aproveitei para convidá-los para a festa dos calouros que seria no
próximo sábado, como já avisado nos grupos, encerro com um “aguardo todos na
festa” nesse momento olhava fixamente para o menino, que deu um sorriso tímido
e mexeu mais uma vez no cabelo, levantou e voltou para a sala.
No
dia anterior à festa, estava no pátio com os fones de ouvido, com a mesma
seleção de músicas que havia criado em uma noite qualquer acompanhado de um chá
que acabou por esfriar. No momento em que Photograph começou a tocar, o calouro
passou por mim, na mão um livro da história da arquitetura, ele também estava
com fones –fiquei imaginando o que ele estaria ouvindo naquele momento – depois
desse devaneio, volto pra sala e a aula continua normalmente, no final todos
saem comentando sobre a festa do dia seguinte, alguns amigos me perguntam se eu
vou de carro, respondo com uma risada que vou de taxi, pois na lei diz que
beber e dirigir é proibido. Rimos e nos despedimos.
Finalmente
o grande dia chegou, estavam todos muito animados para a festa, algumas amigas
estavam se arrumando no meu apartamento, iriamos dividir o taxi, por que cada
centavo economizado era uma impressão realizada. Todos prontos já dentro do taxi
rumo a festa. Quando chegamos, temos logo na entrada uma mesa com uma plaquinha
escrita “pedágio” nessa mesa havia uma garrafa de vodka e 5 copos de shot,
entendemos o recado e já começamos a festa bem, não demorou muito para que os
calouros começassem a chegar, todos nos cumprimentavam com respeito demais,
como se fossemos superiores, chegava a ser engraçado. Alguns dos veteranos
faziam a linha durona pra assustar, já quando me cumprimentavam eu dava logo um
abraço e era super receptivo.
A
festa continua e então que o único novato que me interessa finalmente chega,
ele vira o shot, que agora era de tequila, faz uma careta qualquer e entra
junto com mais dois amigos, ele passa cumprimentando todos e quando chega em
mim, na mesma hora o rosto dele fica da cor da sua camisa, vermelho vivo, ele
inicia o que seria um aperto de mão, dou uma risada – devo admitir que nesse momento
estava um pouco nervoso. Estendo a mão também, mas puxo ele para um abraço e no
meio do abraço dou as boas-vindas ao curso e a festa, ele agradece meio tímido
e continua a dar oi para o resto do pessoal. No desenrolar da festa, e das
bebidas, falo pra uma amiga que hoje a festa só acaba depois de eu conseguir o
número do tal novato, e como resposta ela simplesmente me diz “Então vai lá e
pede, fácil”. Já meio afetado pelo álcool, e ele claramente na mesma situação,
chego nele e peço se ele está gostando da festa, e depois de alguns minutos de
conversa o convido para conversar em um lugar um pouco mais isolado e com menos
barulho. A festa estava acontecendo no apartamento de um dos veteranos, fomos
até a sacada, onde a música não era tão alta e no momento não tinha ninguém.
Vendo
a clara timidez no rosto dele, inicio o diálogo:
-
Então, Gabriel, por que arquitetura?
Ele
olha para o copo (que ainda estava cheio), dá um gole e sorrindo responde:
-
E por que não arquitetura? É um curso incrível, posso ser criativo, posso ser
exato, mas ao mesmo tempo posso ser simples e flexível com o que um cliente
deseja. Arquitetura tem o dom de deixar as coisas bonitas e muitas vezes
funcionais. Nunca me imaginei fazendo outro curso.
-
Nossa, você parece bem decidido com sua escolha. Quando eu entrei no curso não
tinha tanta certeza de que era isso que queria pra minha vida, mas agora no
terceiro ano já não me vejo fazendo outro curso também.
Antes
que eu pudesse perguntar outra coisa qualquer ele se antecipa:
-
Então, Carlos... Minha vez de fazer perguntas. Por que você me adicionou e não
esperou o convite, como fez com todos os outros?
Enquanto
ele me fazia essa pergunta, me olhava com uma confiança admirável, não sei se
era pelo álcool ou por que realmente era parte de sua personalidade. Vendo que
minha bebida acabou olho diretamente nos olhos dele:
-
Porque você não é todos os outros, de toda a lista você me chamou minha
atenção. Tem algo em você que é diferente.
Assim
que eu termino de responder começa a tocar Photograph na festa, lembro do dia
anterior em que ele passou por mim enquanto a mesma música tocava, ele me olha
com um sorriso que parecia estar dentro de seus olhos, diz que ama essa música,
que havia conhecido ela dias antes de entrar na faculdade e que estava ouvindo
ela direto, me convida pra voltar para a festa, pois estávamos os dois sem
bebida, a música continuou e os dois queriam muito que ela continuasse por mais
tempo, até que um tomasse a iniciativa. Não me aguentei, fui me aproximando,
ele pareceu mostrar um pouco de receio, mas se entregou, pois estava evidente
que ele queria tanto quanto eu, e antes da música acabar o primeiro beijo aconteceu.
E ali durante esse beijo entendi que coisas não acontecem por acaso. Uma música
pode surgir a qualquer hora, mas música certa surge na hora certa.